Estou iniciando todo processo para a gravação de meu novo álbum, intitulado O Dia do Sol, e você poderá me acompanhar por esse blog nessa jornada empolgante. Acompanhe tudo, pois, à medida que eu for caminhando no processo, vou postando tudo aqui.
E, como em todo trabalho complexo e cheio de variáveis, o melhor ponto para começar é do começo. E onde seria o começo de uma gravação de um álbum? A sua concepção.
Conceber um álbum é pensar, imaginar, sonhar como ele estará pronto daqui a uns meses. É pensar como ele vai soar, tanto conceitualmente (ideias musicais) quanto fisicamente (sonoridade). É procurar dentro de si o que mais me toca e como isso se traduz em música. É imaginar que sentimentos o ouvinte ou a ouvinte vai experienciar quando o ouve.
Ou seja, são inúmeras variáveis que precisam se encaixar para que o álbum tenha sua vida própria, seu começo, seu meio e seu fim.
A Minha Música
O que gravar? Eu tenho formação acadêmica em jazz. Gravo jazz? Eu tenho também minha formação cultural na música brasileira. Gravo Brazuca? Pela minha experiência musical, eu posso transitar por vários estilos. Inclui alguma coisa pop? Misturo tudo? Vou para um lado mais tradicional ou mais moderno?
Desde a gravação do meu primeiro álbum, o Altos e Baixos, lá em 2003, eu entendi que sou compositor de música instrumental. Apesar de ter boa desenvoltura em improvisação, não me considero um improvisador, ao menos quando me comparo com grandes amigos improvisadores que admiro.
Eu sou mais um compositor.
E isso solidificou-se mais e mais com o passar dos anos. Entendi o meu conceito – o meu som, e ganhei confiança em meu processo de compor.
Lembre-se que não existe uma fórmula mágica para tudo dar certo. Compor é botar pra fora sentimentos profundos e não existe nenhuma garantia de que vai funcionar, ou seja, NUNCA se sabe se as pessoas que ouvirem vão se identificar.
Ganhei confiança, por pura experiência, tentativa, erros e acertos, que SE EU REALMENTE GOSTAR DO QUE FIZ, pessoas vão gostar também.
Isso é muito assustador, pois eu tenho que me jogar nesse abismo, tenho que fechar os olhos e simplesmente confiar que vai dar certo. Mas nunca existe uma real garantia.
Daí é compor, compor e compor até chegar a um ponto que eu realmente goste, não importa o quanto tempo leve. Também é ter o desprendimento de abandonar uma ideia que eu realmente não perceba uma “saída”.
Para o O Dia do Sol, entrei no que mais sinto que é o meu processo composicional. Você vai ouvir muita coisa minha. 🙂
Também escolhi duas músicas de outros compositores amigos, que se encaixam perfeitamente na sonoridade do álbum. Fechei o centro da ideia.
As Diferentes Sensações
Eu já percebi que, em termos de música, gosto de sensações diferentes. Diferentes, às vezes divergentes, às vezes extremas, mas tudo bem dosado.
Eu sei que existe o belo e o triste. Muitas composições expressam o belo e o triste com maestria e eu também gosto disso. Mas gosto de outras sensações também. Gosto da surpresa, gosto do caos, gosto do suave e delicado, gosto do enérgico e empolgante.
Uma boa analogia é com a culinária. Todos nós gostamos do doce e do salgado. Uma boa empada, uma boa coxinha de frango, um bom pudim de leite (falando nisso, meu pudim de leite é bem famoso entre meus amigos).
Mas também existe o azedo e o amargo. Existe a combinação desses sabores. Existem sabores mais exóticos. Você pode gostar de café com açúcar, mas o amargo do café sem açúcar traz sensações diferentes. Estranhas para uns, mas deliciosas para outros. Uma cerveja especial, um vinho mais específico, um coquetel ou uma água saborizada também trazem sensações interessantes. Um sushi, um cogumelo shimeji ou um prato mais exótico trazem outras experiências ao paladar.
É isso que eu penso na música.
Como consequência, todo o trabalho dos arranjos trilha esse caminho de sensações diferentes. Uma frase inusitada, uma mudança rítmica ou harmônica que te faz “piscar o olho jogando a cabeça para trás”, uma melodia linda que te leva aos ares, uma sequência de acordes “amargos aos ouvidos”, uma sequência que te faz prender a respiração, uma paz, o começo, o meio e o fim.
Arranjos e Improvisos
Desde que eu ouvi o meu xará Hamilton de Holanda nos CDs Brasilanos 1, 2 e 3, eu pensei mais no desenvolvimento do arranjo na música instrumental. Esses CDs formam um marco na minha vida.
Eu entendo e concordo que a improvisação, já presente na música brasileira desde o início do choro e posteriormente bastante influenciada pelo jazz americano é um ponto central da música instrumental. É muito bom ouvir como os grandes músicos e as grandes musicistas desenvolvem uma melodia em tempo real.
Porém, HH me mostrou que também é interessante trabalhar o arranjo de maneira mais profunda, criando camadas, climas, sessões, ideias que também te levam a viagens musicais semelhantes à improvisação.
A partir daí, sempre gosto de equilibrar o improviso e o arranjo nas minhas músicas. A consequência é uma música mais complexa, cheia de nuances, de curvas, de subidas e ladeiras.
Os Músicos
Desde que voltei de meu mestrado nos Estados Unidos, em 2018, eu comecei a tocar mais fixamente com os “meninos”. Os “meninos” são o pianista Misael Silvestre e o baterista Pedro Almeida.
Esses dois caras viraram ponto central na minha sonoridade, porque uma mágica acontece quando a gente toca juntos. O entendimento de ideias, a combinação de intenções musicais, a jornada pelo desconhecido do criar música em tempo real e a atenção aos mínimos detalhes do que se está criando ficam num nível que poucas vezes vi acontecer em minha vida.
Fora o fato de que eles me “forçam” a ser um músico melhor. Eles sempre estão se desafiando e evoluindo musicalmente e não posso ficar para trás. Isso vira um combustível para sentar, estudar, compor e, mais e mais, tentar me superar.
Acho que já deu para ter uma ideia de como eu concebi o O Dia do Sol, né? Fique atento que já posto mais coisas sobre o álbum.
Ah… por que o nome O Dia do Sol?
Em espanhol e em inglês (e várias outras línguas), os nomes dos dias da semana se relacionam com planetas e astros celestes, e isso vem tanto da cultura grega quanto da própria língua latim. No português, em algum momento os dias da semana foram trocados por números, porém no inglês e espanhol ainda se relacionam a planetas e astros celestes.
O latim dies solis é o inglês Sunday. O dies lunae é o inglês Monday ou o espanhol Lunes. O dies mercurii, dia de Mercúrio, é o Miercoles em espanhol e o Wednesday em inglês (Woden’s day – Woden era o equivalente germânico do deus romano Mercúrio).
Anos atrás eu pensei em compor ao menos duas músicas que representassem isso. A ideia era exatamente o domingo – O Dia do Sol; e a segunda O Dia da Lua.
A primeira composição já saiu e dará nome ao álbum. 🙂