Entenda o dilema: eu, como compositor e arranjador, idealizo a música com seu começo, meio e fim. Cada parte, cada acorde, cada ritmo,… tudo. Por outro lado, uma das premissas da música popular baseada em improvisação é a liberdade que cada instrumentista tem para criar sua própria performance.
Como é possível ter algo definido pelo arranjador e ao mesmo tempo dar aos músicos liberdade para criar?
Aqui podemos ter várias respostas e todas elas estarem certas. A questão principal é escolher qual caminho percorrer.
Esse espectro é bem vasto, podendo ir do estritamente definido, ou seja, eu escrever coisa por coisa para cada instrumento e conduzir a performance como imaginei. No outro extremo existe o esboço da música onde, durante a performance, cada um vai criando de acordo com o que está ouvindo.
A opção 1 tem a vantagem da música sair exatamente como eu imaginei, em seus mínimos detalhes. Como desvantagem, eu posso “travar” músicos criativos.
Já na opção 2, eu exploro 100% das qualidades criativas de cada músico. Porém eu perco o controle de tudo.
No meu caso, eu tento equilibrar as duas coisas. Equilibrar a ideia que pensei e escrevi com a liberdade de criação dos músicos.
Existem trechos das músicas que eu quero que soe exatamente como eu imaginei no momento do arranjo. Daí, eu escrevo a partitura com tudo o que eu quero que aconteça. Em outros momentos, eu espero que cada músico imprima sua marca, coloque suas ideias para fora. Nesses eu apenas indico o esboço da ideia.
Exemplo de partitura com coisas definidas para piano, baixo e bateria.

Em momentos livres, eu apenas indico os acordes a serem tocados.

Já nos momentos livres, existe um conceito musical, uma ideia sonora que passou na minha cabeça durante a fase de arranjo. Assim, à medida que vamos passando as músicas eu “corrijo rotas”. Faço comentários que levam ao som que imaginei, mas mantendo a liberdade de criação de cada um.
Mas não fica só nisso. Mesmo nos momentos que eu defini tudo, eu ainda deixo espaço para os músicos alterarem ou interpretarem o que escrevi, ou seja, dentro de uma ideia que concebi, abro espaço para cada um colocar ideias novas.
Em muitos momentos a conversa é:
Eu: Nesse trecho, eu gostaria que soasse um pouco mais rítmico, mas sem deixar a levada travada!
Pedro Almeida: Mas, como assim? Quer que eu faça um groove mais fechado ou é para ficar aberto?
Eu: Não sei. Só preciso de um ritmo mais forte e que deixe as ideias fluírem.
Pedro Almeida pensa um pouco e diz: Que tal essa levada aqui? (ele toca a ideia)
Eu: Pode inventar o que quiser. Só não me deixe prever mentalmente o que você vai fazer depois. Me cause pequenas surpresas!
Perceba que, mesmo ele estando oferecendo uma solução pronta, eu preferi não dar a resposta e manter o espaço da criação. Assim ele se entrega mais profundamente no processo criativo, interpreta essa minha instrução vaga, e entrega a sua versão do que seria “tocar mais rítmico, mas sem deixar a levada travada”.
É assim que equilibro as coisas e o álbum O Dia do Sol está cheio disso!!!