O que você fala de outros músicos?

 

Lembro que, há muito tempo, li uma frase que marcou muito. “Se você não tem nada de bom para falar de uma pessoa, não fale nada”. Não lembro a época nem o lugar exatamente, mas sei que era na minha adolescência. Aquela fase em que definimos várias regras para a vida, regras que caem por terra quase que em sua totalidade quando descobrimos que a vida possui variantes demais para se enquadrar em regras. Essa regra, porém, sobreviveu ao tempo.

Ao longo dos anos percebi o quanto seguir essa frase ajudou a manter a fofoca fora de minha vida, a manter os fofoqueiros fora de minha vida (bingo), a ser mais amigo, a ser mais compreensivo, a ganhar trabalhos (sim, já me falaram que fui chamado para trabalhos por não falar mal de outras pessoas) e, principalmente, a viver em paz. Fico feliz em perceber o quanto essa frase fez parte do meu crescimento.

Apesar da frase ser muito boa, ela tem suas limitações. Por exemplo… e quando a pessoa precisa emitir uma opinião e necessita falar negativamente? Pois é… Difícil dizer. Limitações existem, mas mesmo assim eu prefiro usar essa frase ao máximo em minha vida.

Foto: Renata Samarco

Tendo isso como inspiração introdutória, levanto a situação em que músicos veem a performance de outros e, no meio do comentário vem uma crítica. Estão falando mal ou externando opiniões? Difícil dizer… Porém, para além do falar mal ou opinar, pode existir uma terceira situação que acho que deve ser discutida e combatida. Essa situação pode ser chamada de crítica negativa usada para autoafirmação e afago do ego, uma forma oculta da velha e conhecida inveja. Atenção: Observe o uso da palavra “pode” duas sentenças atrás. Não estou afirmando que sempre existe.

Quando ouço pessoas comentando sobre as performances dos outros, em várias ocasiões percebo o sistemático uso da conjunção coordenativa adversativa “mas”:

“O show foi bem legal, mas achei o repertório muito chato. Tudo muito lento.”

“A música é bonita, mas o arranjo não ficou legal.”

“Adorei a interpretação, mas no refrão final desafinou.”

“Toca pracarái, mas… (espaço para você colocar uma frase que você já ouviu alguém falando).”

Além das perguntas óbvias do tipo “quem pediu sua opinião?”, “você falou isso diretamente para a pessoa?” ou “você está realmente querendo ajudar?”, que podem identificar para que lado a balança opinião/falar mal vai pender, pode existir uma necessidade escondida de autoafirmação para afagar o ego.

Explicando: Vamos colocar aqui a pessoa A, a que fez a performance; e a pessoa B, a que comenta.

Será que a pessoa B na realidade percebeu que a performance de A foi excelente, às vezes acima da sua própria capacidade musical, e procura algo que tenha melhor domínio para afagar ao seu próprio ego dizendo “isso eu sei fazer e A não sabe”? Ou seja, será que B usa essa crítica para dizer a si mesmo que “A é bom, mas não tanto assim”?

Dê uma pausa na leitura e pense um pouco nas situações semelhantes a essa que você viu. Lembre-se da performance de A. Será que as falhas que B falou são realmente relevantes para obscurecer as qualidades do show de A? São realmente relevantes a ponto de ser necessário tecer comentários? Existia aquele ar de “isso eu sei fazer melhor…” no tom de voz? Você se identifica com a pessoa B? Eu já me identifiquei. Já falo sobre isso…

Pois é… um comentário desses pode ter por trás o sentimento “eu gostaria de fazer o que A está fazendo, gostaria de estar no lugar dele/dela”, que no jargão popular se chama “inveja”. Porém, tão escondida no meio de uma crítica embasada por argumentos técnicos e precedida por um elogio antes da conjunção coordenada adversativa “mas” que quase ninguém percebe.

Que atire a primeira pedra o músico que nunca pensou “caraca… eu sou profissional há anos, estudei em escola de música, universidade, anos enfurnado no meu quarto tirando música, sei compor, sei improvisar, tenho o slap mais rápido do Centro-Oeste,… e fulano, que nem sabe o que é um acorde meio diminuto, está rodando o mundo naquela banda e ganhando a maior grana…” Sim, esse pensamento e essa percepção de “injustiça” já passou pela cabeça de todos (ou quase todos) os músicos que conheço. Inclusive a minha.

Porém, vale colocar que isso não é uma injustiça. Música não é uma fila única em que os mais graduados têm o direito de ocupar as primeiras posições e que os menos graduados só entrarão no mercado quando os melhores já tiverem sido escolhidos. Se a pessoa está lá, ela teve seus méritos, mesmo que esses méritos não seja musicais. Que sejam por localização geográfica, amizade, relacionamento pessoal, habilidade empresarial, indicação, sorte, ou qualquer outra coisa. Esse méritos existem.

Eu já tive esse pensamento negativo, mas, depois de um tempo, percebi o quanto isso é errado. Atualmente, quando vejo alguém em um ponto mais à frente em sua estrada musical que eu, procuro ver os fatores que a levaram estar onde está e quais atitudes eu tenho que tomar ou o que preciso corrigir para alcançar algo semelhante. Por exemplo, verifiquei há um tempo que sou muito famoso em Brasília, mas apenas entre os músicos. O público geral me conhece pouco. Quando um outro artista faz um show solo e enche um teatro, ao invés de procurar desculpas do tipo “a música dele é mais comercial que a minha”, “teve mais verba para divulgação que eu”, “teve sorte de não ter outro evento na cidade no dia do show”, prefiro ver o que essa pessoa fez nos últimos 5 anos para chegar onde está e analisar o que posso aprender com isso.

Se, após uma autocrítica, você perceber que usa comentários negativos para afagar seu ego e dizer para si mesmo “eu também sou bom”, talvez seja a hora de parar os comentários e aprender algo novo. Se você percebeu “falhas” na performance de A, certamente percebeu virtudes também. As falhas que você percebeu podem ser as barreiras que você já superou na sua estrada musical. As virtudes podem ser aquelas que você já superou ou as que ainda precisa superar. Em qualquer dos casos, vá para casa e melhore. Se seu calo for algo musical, sente a bunda na cadeira, pegue seu instrumento e estude. Se for carisma, aprenda a se comunicar melhor no palco, faça um curso. Se for posicionamento de mercado, aprenda como a pessoa A chegou àquele estágio e trilhe seu próprio caminho. Se for a rede de contatos, aprenda como fazer um networking sadio e ter acesso às pessoas com quem você quer tocar. Em qualquer das situações, pare de afagar seu ego, pois isso só te ajuda a permanecer no lugar medíocre das pessoas que se comparam com as outras para dormirem “felizes”.

HP